domingo, 7 de setembro de 2008

Judas, vilão ou herói?


O musical Jesus Cristo Superstar foi indiscutivelmente um dos grandes sucessos deste ano em Portimão e eu estive lá.

Como ponto prévio devo dizer que sou um grande apreciador de música, mas no que diz respeito à religião, se estabelecermos uma escala em que no zero está Hegel e Marx («a religião é o ópio do povo») e no topo estão aquelas beatas, tão beatas que o padre as fuma, eu estarei situado acima da linha de água, na zona dos agnósticos.

Quer isso dizer que, uma vez que não consigo provar nem a existência de Deus nem a sua inexistência, estou-me nas tintas.

Basicamente limito-me a conseguir identificar algumas religiões através dos seus legais representantes: o Buda (que é o gordo) do Budismo, Cristo do Cristianismo, Eusébio do Benfica e Shiva do Hinduísmo (e quem nunca pensou em ter uma mulher com quatro braços que, de uma só vez, conseguisse trazer a cerveja, amendoins, os chinelos e o comando da TV que atire a primeira pedra). Dos muçulmanos só conheço os cartoons.

Foi precisamente a minha ignorância nestas coisas da metafísica que me fez acreditar que Judas era o mau da fita.

Felizmente que existem os musicais para acabarem com estes dogmas, porque, após duas horas de espectáculo, cheguei à conclusão de que afinal de contas Judas “apenas” teve um grave problema de imagem.

E digo mais: tivesse Judas um bom advogado ou um assessor competente e nunca seria estigmatizado como traidor, até porque na minha humilde opinião não se pode falar em traidor sem haver traição, situação que nos remete para a sempre actual tese da cabala.

Vejamos, logo na segunda cena, even on their minds, Judas faz sentir a JC, de forma clara, o seu descontentamento relativamente à forma como as coisas estavam a ser conduzidas.

Dizer as coisas cara a cara chama-se lealdade e não traição. Por outro lado, uma traição pressupõe o elemento desconhecimento.

Ora não foi o próprio JC na última ceia que não só prognosticou a sua prisão, como o mandou ir chamar os seus carcereiros?

Bem representado, Judas seria conhecido como um homem justo e honrado. Quem é que chamou a atenção para os gastos que Maria Madalena andava a fazer em compras para óleos para o cabelo? Judas!

Quem é que sugeriu que esse dinheiro fosse dado aos pobres? Judas! Os 30 dinheiros que recebeu para entregar JC foram usados em proveito próprio? Não, foram distribuídos pelos necessitados.

Além disso, alguma vez passou pela cabeça de Judas que, ao entregar JC, o estivesse a condenar à morte? Jamé! Pensou ele que o processo iria levar uma eternidade para ser julgado e que iria prescrever.

Na pior das hipóteses, que fosse punido com uma pena de suspensão de dois anos do exercício das suas actividades pregadoras como viria a suceder quase 2000 anos depois ao outro JC Superstar (Jorge Nuno Pinto da Costa), mas pena de morte nunca!

Não obstante, quando constatou todo o sofrimento que involuntariamente tinha causado ao seu amigo e mentor, fugiu para o Brasil, ou arranjou desculpas do tipo de que de manhã está-se bem é na caminha? Não! Teve um fim digno e saiu de cena, ao contrário de uns e outros que erram, voltam a errar, mas não se retiram.

Judas foi apenas e só vítima da sua ingenuidade, um instrumento nas mãos do Senhor. Sem ele, JC não se conseguiria diferenciar dos demais falsos profetas e assumir o papel de mártir!

Mas convém realçar que não foi só Judas a ter problemas de imagem.

Pedro também nos é descrito como alguém ignóbil. Renegou Cristo, é verdade, mas para melhor o compreendermos façamos um exercício de faz de conta. Imaginemos por exemplo que somos o Luis Felipe Vieira e somos apanhados pela claque dos superdragões.

Imaginemos ainda que os morcões, antes de nos aviarem uma carga de porrada, nos perguntam a nossa identidade. Eu, por mim, responderia, Nandinho ou Tone e nunca LFVieira, e vocês?

E Pilatos, não o tentou ajudar? E Herodes, quando lhe disse: JC ou te portas bem ou ainda te... arrependes, não foi amigo? Então porque é que passaram à história como os maus da fita?

Contrariamente ao departamento de marketing divinal que teve JC, estes não investiram nessa área e lixaram-se.

É por estas e por outras que prefiro passar o domingo na praia do que na missa.

Ah, é verdade, já me esquecia, o espectáculo, a adaptação, a música e a interpretação foram excelentes e ainda aprendi mais uma coisinha: gritar bravôôôôô é mais fino do que gritar Brave!!!!
*Cidadão apreciador de espectáculos

6 de Setembro de 2008 18:08
José Crítico de Bancada*

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